Dever cristão

Dever cristão

Rossi e Alves eram diretores de conhecido templo espírita e davam-se muito bem na vida particular.
Afinidade profunda. Amizade recíproca. Sempre juntos nas boas obras, integravam-se perfeitamente
no programa do bem.

Alves, com desapontamento, passou a saber que Rossi, nas três noites da semana sem atividades
doutrinárias, era visto penetrando a porta de uma casa evidentemente suspeita, lugar tristemente
adornado para encontros clandestinos de casais transviados.

Persistindo semelhante situação por mais de um mês, Alves, certa noite, informado de que o amigo
entrara na casa referida, veio esperá-lo à saída.

Dez, onze, meia-noite…

Alguns minutos depois de zero hora, Rossi saiu calmo e o amigo abordou-º

– Meu caro – advertiu Alves, sisudo _, não posso vê-lo reiteradamente neste lugar. Você é casado,
pai de família e, além de tudo, carrega nos ombros a responsabilidade de mentor em nossa Casa.
Nada podemos condenar, mas você não ignora que álcool e entorpecentes, aí dentro, andam em
bica…

Rossi coçou a cabeça num gesto característico e observou:

– Não há nada. Estou apenas cumprindo um dever cristão.

– Dever cristão?

– Sim, a filha de um dos meus melhores amigos está freqüentando este circulo. Jovem inexperiente.
Ave desprevenida em furna de lobos. Enganada por lamentável explorador de meninas, acreditou
nele… Mas a batalha está quase ganha. Convidei-a a pensar. Há mais de um mês prossegue a luta.
Hoje, porém, viu com os próprios olhos o logro de que é vítima. Acredito que amanhã surgirá
renovada…

E ante os olhos desconfiados do amigo:

– Você sabe. É preciso agir, sem rumor, sem escândalo. Quem sabe? Talvez em futuro próximo a
invigilante pequena possa encontrar companheiro digno. E ser mãe respeitada.

Alves riu-se às pampas, de maneira escarninha, e falou:

– Vou ver se é verdade.

– Não, não! Não vá! – pediu Rossi, em suplica ansiosa.
– Tem medo de ser apanhado em mentira? – disse Alves, com a suspeita no rosto.

E sem mais nem menos entrou casa adentro encontrando, num pequeno salão, sua própria filha
chorando ao pé de um cavalheiro desconhecido…

(Hilário Silva, capítulo 1 do livro “A Vida Escreve”, psicografado por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira).